Integrando
Direitos de
Propriedade Intelectual
e Política de
Desenvolvimento
Relatório da Comissão para
Direitos de Propriedade Intelectual
Professor John Barton (Presidente da Comissão)
Professor de
Direito da Cátedra George E. Osborne, Universidade de Stanford, Califórnia,
Estados Unidos
Advogado
especializado em Direito da Propriedade Intelectual, Londres, Reino Unido
Diretor do Programa
de Mestrado em Gestão e Políticas de Ciência e Tecnologia, Universidade de
Buenos Aires, Argentina
Diretor-geral do
Conselho Indiano de Pesquisa Científica e Industrial e Secretário do
Departamento de Pesquisa Científica e Industrial, Délhi, Índia
Diretora Sênior de
Política de Ciência e Assuntos Científicos (Europa) da Pfizer Ltd, Sandwich,
Reino Unido
Diretora do
Conselho Nuffied de Bioética, Londres, Reino Unido
Em pé: (a
partir da esquerda) Carlos Correa, Ramesh Mashelkar, Daniel Alexander
Sentados:
(a partir da esquerda) Gill Samuels, John Barton, Sandy Thomas
Em pé: (a
partir da esquerda)
Phil Thorpe – Analista de Políticas
Rob Fitter – Pesquisador
Tom Pengelly – Analista de Políticas
Sentados:
(a partir da esquerda)
Carol Oliver – Assistente Executiva
Charles Clift – Líder
Brian Penny – Administrador
Integrando
Direitos de
Propriedade Intelectual
e Política de
Desenvolvimento
Relatório da Comissão para
Direitos de Propriedade Intelectual
Londres,
setembro de 2002
Clare Short, Ministra de Desenvolvimento Internacional
do Reino Unido, criou a Comissão para Direitos de Propriedade Intelectual em
maio de 2001. A Comissão reúne membros de vários países, com experiências e
perspectivas diversificadas. Cada um de nós trouxe pontos de vista muito
diferentes para a discussão. Incorporamos vozes tanto dos países desenvolvidos
quanto dos países em desenvolvimento: refentes à ciências, direito, ética e
economiabem como à indústrias, governos e instituições acadêmicas.
Acredito que
seja uma realização considerável termos conseguido um consenso quanto à
nossa atitude e à mensagem básica em tantas questões. Como indica o título
deste relatório, consideramos que os objetivos de desenvolvimento devam ser
integrados à elaboração de políticas de direitos de propriedade intelectual,
tanto no âmbito nacional quanto no internacional, , e o relatório estabelece
maneiras como isto poderia ser colocado em prática.
Apesar de termos sido nomeados pelo governo britânico,
tivemos liberdade total para definir nossa própria pauta, formular o programa
de trabalho e chegar a conclusões e recomendações próprias. Recebemos a
oportunidade e o apoio financeiro para melhorar nossa compreensão acerca das
questões através de estudos encomendados, organizando oficinas e congressos, e
visitando representantes de organizações e grupos afetados em todo o mundo.
Contamos com o apoio de um Secretariado extremamente competente,
disponibilizado pelo Ministério do Desenvolvimento Internacional (DFID,
Department for International Development) e pelo Departamento de Patentes do
Reino Unido, ao qual agradecemos de maneira especial.
Nossa primeira reunião ocorreu em 8-9 de maio de 2001
e, desde então, realizamos outras sete reuniões. Todos ou alguns de nós
visitaram o Brasil, a China, a Índia, o Quênia
e a África do Sul; temos consultado representantes do governo, do setor privado
e de ONGs em Londres, Bruxelas, Genebra e Washington. Visitamos o centro de
pesquisas da Pfizer em Sandwich. No final do relatório, estão relacionadas as
principais instituições que consultamos. Encomendamos dezessete estudos e
promovemos oito oficinas em Londres sobre vários aspectos da propriedade
intelectual, bem como um congresso em Londres, em 21 e 22 de fevereiro de 2002,
a fim de nos assegurarmos de que as perguntas e as preocupações seriam
consideradas em várias perspectivas.
Consideramos que essas reuniões foram partes essenciais do nosso trabalho. Elas
reuniram pessoas com perfis diferentes, que tinham em comum a disposição de
facilitar o diálogo e explorar o escopo para avançar em algumas das questões.
Nossas tarefas eram considerar:
·
Como
os regimes nacionais de Direitos da Propriedade Intelectual poderiam ser
projetados para beneficiar os países em desenvolvimento no contexto dos acordos
internacionais, inclusive o TRIPS;
·
Como
a estrutura internacional de normas e acordos poderia ser melhorada e
desenvolvida (por exemplo, na área de conhecimento tradicional) e o
relacionamento entre as normas de Direitos da Propriedade Intelectual e os
regimes que dispõem sobre o acesso a recursos genéticos;
·
A
necessidade de uma estrutura de políticas mais ampla para complementar os regimes
de propriedade intelectual, incluindo, por exemplo, o controle de práticas
anti-competitivas por meio de políticas e leis de concorrência.
Logo no início, decidimos não apenas tentar sugerir concessões entre
diferentes grupos de interesse, mas também nos basearmos o máximo possível em
fatos. Isto tem sido um desafio, pois com freqüência os dados são limitados ou
inconclusivos, mas o Secretariado, as consultas abrangentes e os estudos que
encomendamos nos ajudaram a identificar os fatos disponíveis, os quais foram
com a devida atenção.
Reconhecemos também a importância de distinguir as nações (de renda média ou
baixa) que possuem capacitação científica e tecnológica substancial daquelas
que não possuem. Tentamos aprender mais sobre os impactos reais da propriedade
intelectual, positivos e negativos, em cada um desses grupos de nações. Optamos
por concentrar nossas atenções nos problemas das mais pobres, considerando as
nações de renda média e baixa.
As conclusões deste relatório são consensuais. Nosso objetivo são soluções
práticas e equilibradas. Em alguns casos, adotamos sugestões de terceiros, mas
a responsabilidade pelas conclusões é exclusivamente nossa. Esperamos ter
cumprido nossa tarefa e que o relatório seja uma ferramenta valiosa para todos os
que participam do debate sobre como os direitos de propriedade intelectual
podem melhor ajudar a promover o desenvolvimento e a reduzir a pobreza.
Em nome da Comissão, quero agradecer a todas as
pessoas no mundo inteiro, numerosas demais para serem mencionadas
individualmente, que forneceram dados para nossas discussões; em especial,
àquelas que prepararam os estudos que serviram de base para nosso trabalho.
Finalmente, gostaria de agradecer a Clare Short e ao
Ministério do Desenvolvimento Internacional do Reino Unido, por sua percepção
ao criar a Comissão para Direitos de Propriedade Intelectual, cuja presidência
tive a honra de assumir. Esta foi uma
experiência extraordinária para mim e para todos os participantes da Comissão.
Foi-nos confiado um desafio. Realmente apreciamos a tarefa e a oportunidade de
aprendermos uns com os outros e, em especial, com todas as pessoas que
contribuíram com o nosso trabalho.
Presidente
INTRODUÇÃO
Poucas pessoas da área de PI considerarão agradável a
leitura deste relatório. Não há elogio melhor ao Professor Barton e aos
Comissários. Nem pode haver um indicador maior da visão e da coragem de Clare
Short, Ministra do Desenvolvimento Internacional do Reino Unido, ao criar a
Comissão e definir suas diretrizes.
Talvez exista algo nesta época em que vivemos que
estimule a adesão cega a dogmas. Isso afetou várias camadas da sociedade. E,
certamente, afetou toda a área de direitos de propriedade intelectual. De um
lado, no mundo desenvolvido, existe um lobby poderoso daqueles que acreditam
que todos os DPIs são bons para os negócios, beneficiam a população em geral e
atuam como catalisadores para o progresso técnico. Acreditam e argumentam que,
se os DPIs são bons, mais DPIs devem ser ainda melhores. Por outro lado, no
mundo em desenvolvimento, há um lobby clamoroso daqueles que acreditam que os
DPIs provavelmente impedirão o desenvolvimento da indústria e da tecnologia
locais, prejudicarão a população local e só beneficiarão o mundo desenvolvido.
Acreditam e argumentam que, se os DPIs são ruins, quanto menos DPIs existirem,
melhor será. O processo de implementação do TRIPS não resultou na redução
do abismo entre esses dois lados; pelo contrário, ajudou a reforçar os
pontos de vista já existentes. Os que apoiam mais DPIs e a criação de
“igualdade de condições” aclamam o TRIPS como uma ferramenta útil a ser usada
para atingir suas metas. Por outro lado, os que acreditam que os DPIs são ruins
para os países em desenvolvimento acreditam que o campo econômico era desigual
antes do TRIPS e que a introdução deste reforçou a desigualdade. Essas posições
são sustentadas com tanta firmeza e convicção que, às vezes, parecia que nenhum
dos lados estava preparado para ouvir o outro. Pouca persuasão, muita coerção.
Independentemente de os DPIs serem bons ou ruins, o
mundo desenvolvido há muito tempo adaptou-se a eles. Ainda que, às vezes, suas
desvantagens superem as vantagens, de modo geral, o mundo desenvolvido possui o
vigor econômico nacional e os mecanismos legais estabelecidos para superar os
problemas causados. Quando os benefícios superam as desvantagens, o mundo
desenvolvido tem a riqueza e a infra-estrutura necessárias para se beneficiar
das oportunidades oferecidas. É provável que nenhum desses pressupostos se apliquem
aos países em desenvolvimento e aos países menos desenvolvidos.
Foi neste cenário que a Ministra decidiu criar a
Comissão e solicitar-lhe que considerasse, entre outras questões, como os
direitos nacionais de propriedade intelectual poderiam ser aperfeiçoados para
beneficiar os países em desenvolvimento. Estava implícito o reconhecimento de
que os DPIs poderiam ser uma ferramenta capaz de ajudar ou estorvar economias
mais frágeis. Os próprios Comissários representam a melhor amostra de
experiência multidisciplinar que se poderia esperar. Eles fizeram pesquisas
abrangentes, cujo resultado é este relatório notável.
Embora as diretrizes estabelecessem que a Comissão
deveria enfatizar os interesses dos países em desenvolvimento, os interesses e
os argumentos dos países desenvolvidos não foram ignorados. Como o relatório
sugere, não devem ser impostas padrões mais exigentes de PI aos países em
desenvolvimento sem uma avaliação séria e objetiva do impacto sobre o
desenvolvimento destes. A Comissão empenhou-se em definir critérios para essa
avaliação e produziu um relatório com propostas sensatas, elaboradas para
atender à maioria dos requisitos razoáveis das duas partes.
No entanto, a produção de uma série de propostas
viáveis não é suficiente por si só. É necessário um acordo e a vontade de
implementá-las. Uma vez mais, a Comissão está desempenhando uma função
importante nesta questão. Este não é um relatório de um grupo de pressão. A
Comissão foi criada para oferecer recomendações imparciais. Sua origem e constituição
devem estimular todos aqueles a quem as recomendações foram direcionadas a
analisarem-nas com atenção.
Durante muito tempo, os DPIs foram vistos como
“alimento” para os países ricos e “veneno” para os menos avançados. Espero que este relatório demonstre que esta questão não é
tão simples. Os DPIs podem ser úteis para os países menos avançados, desde que
sejam ajustados para agradar aos paladares locais. A Comissão sugere que a
dieta adequada a cada país em desenvolvimento precisa ser decidida com base no
que é melhor para o desenvolvimento, e que a comunidade internacional e os
governos de todos os países devam tomar decisões levando este fato em
consideração. Espero que este relatório os estimule a agir desta forma.
Juiz de Patentes da Suprema Corte do Reino Unido
SUMÁRIO EXECUTIVO
Este Sumário Executivo foi redigido
a partir do relatório completo da Comissão, “Integrando Direitos de Propriedade
Intelectual e Políticas de Desenvolvimento”. Ele apresenta os elementos principais da análise
e das recomendações de cada capítulo do relatório, porém, não abrange todas as
questões, nem tem a intenção de substituir a leitura do relatório principal,
onde o contexto, os fatos e os argumentos são analisados em detalhes.
VISÃO GERAL
As Metas de Desenvolvimento do Milênio
reconhecem a importância de reduzir a pobreza e a fome, melhorar a saúde e a
educação, e garantir a sustentabilidade ambiental. Como resultado, a comunidade
internacional comprometeu-se a reduzir à metade a proporção de pessoas vivendo
em pobreza, até 2015. Em 1999, estima-se que 1,2 bilhão de pessoas sobreviviam
com menos de um dólar ao dia e quase 2,8 bilhões de pessoas sobreviviam com
menos de dois dólares ao dia. Cerca de 90% destas pessoas viviam na Ásia Ocidental
ou Meridional ou na África subsaariana. A cada ano, HIV/AIDS, tuberculose e
malária ceifam milhões de vidas nestes países. Mais de 120 milhões de crianças
em idade escolar não têm acesso à educação
Os países em desenvolvimento são
muito heterogêneos, um fato óbvio, porém muitas vezes esquecido. Não apenas
variam as suas capacidades científica e técnica, mas também as estruturas
sociais e econômicas, bem como as desigualdades de renda e riqueza. Os fatores
determinantes da pobreza e, portanto, as políticas apropriadas para abordá-la,
também variam de um país para outro. Isso também se aplica às políticas de
DPIs. As políticas necessárias em países com capacitação tecnológica
relativamente avançada, onde moram a maioria dos pobres, como a Índia ou a China,
podem ser muito diferentes daquelas recomendáveis para países com capacitação
insuficiente, como muitos países da África subsaariana. O impacto das políticas
de PI sobre os pobres também varia de acordo com as circunstâncias
sócio-econômicas. O que funciona na Índia não funcionará necessariamente no
Brasil ou em Botsuana.
Alguns, em especial as empresas e os governos
de países desenvolvidos, argumentam enfaticamente que os DPIs ajudam a
estimular o crescimento econômico e a reduzir a pobreza. Eles afirmam que não
há razão pela qual o que funciona tão bem para os países desenvolvidos não
serviria para os países em desenvolvimento. Outros, especialmente de países em
desenvolvimento e ONGs, argumentam o contrário com igual veemência. Para eles,
os direitos de PI pouco podem fazer para estimular invenções em países em
desenvolvimento, pois o pré-requisito de capacitação humana e técnica pode
estar ausente. Além disso, aumentam os custos de medicamentos essenciais e
insumos agrícolas, prejudicando especialmente a população de baixa renda e os
agricultores.
Durante os últimos 20 anos,
aproximadamente, o nível, o escopo, a extensão territorial e a função da
proteção à PI expandiram-se com rapidez sem precedentes. Os materiais genéticos
foram amplamente patenteados. Os direitos de PI foram modificados ou criados
para abranger novas tecnologias, especialmente a biotecnologia e a tecnologia
da informação. As tecnologias produzidas pelo setor público são patenteadas
rotineiramente. O Acordo TRIPS (Aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual Relacionados ao Comércio) da OMC (Organização Mundial do Comércio)
estendeu os padrões mínimos de proteção à PI para todo o mundo. A OMPI
(Organização Mundial de Propriedade Intelectual) promove discussões permanentes
que visam uma harmonização futura do sistema patentário, o qual pode substituir
o TRIPS. Além disso, com freqüência os acordos de comércio e investimentos
bilaterais ou regionais entre países desenvolvidos e em desenvolvimento incluem
compromissos mútuos para implementar regimes de PI que superam os padrões
mínimos do TRIPS. Portanto, há pressão contínua sobre os países em
desenvolvimento para que aumentem os níveis de proteção à PI em seus regimes,
com base nos padrões dos países desenvolvidos.
O funcionamento dos sistemas de DPIs provoca preocupações sinceras,
mesmo nos países desenvolvidos. O depósito de pedidos de patentes aumentou
consideravelmente nos últimos anos, assim como a percepção de que estão sendo
concedidas muitas patentes de “baixa qualidade” e âmbito amplo. As empresas
podem incorrer em custos consideráveis de tempo e dinheiro para determinar a
viabilidade e a forma segundo a qualdevem realizar pesquisas sem infringir
direitos de patentes de outras empresas ou, ainda, para defender seus próprios
direitos de patentes contra outras empresas. Isso leva a questionar se os
custos substanciais envolvidos em litígios sobre patentes são um preço
necessário a ser pago pelos incentivos oferecidos pelo sistema de patentes, ou
se é possível encontrar maneiras de reduzi-los. Como esta proliferação de
patentes afeta a concorrência e a pesquisa?
As questões sobre o impacto da PI em países
desenvolvidos são importantes também para os países em desenvolvimento, que
podem aprender com a experiência dos países desenvolvidos ao formularem seus
próprios sistemas. Além disso, o sistema de PI em países desenvolvidos têm
exercido impactos diretos sobre os países em desenvolvimento. As restrições de
acesso a materiais e a dados na Internet afetam a todos. As regras e as normas
de PI talvez estejam impedindo pesquisas sobre doenças graves ou novas safras
que afetam os países em desenvolvimento mas que, na verdade, são realizadas nos
países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento talvez não estejam
compartilhando de maneira adequada os benefícios da comercialização de seus
conhecimentos ou recursos genéticos, quando estes estão patenteados em países
desenvolvidos.
A tarefa fundamental da Comissão foi a de avaliar se as regras e as
instituições de proteção à PI, conforme sua evolução até o presente, podem
contribuir para o desenvolvimento e a redução da pobreza nos países em
desenvolvimento. Acreditamos que algum tipo de proteção à PI é adequado em
algum estágio para os países em desenvolvimento. O sistema proporciona incentivos
para a realização de invenções e desenvolvimento de novas tecnologias que
possam beneficiar a sociedade.
Contudo, os incentivos funcionam de formas diferentes, dependendo da
resposta de oferta que provocam. Eles impõem custos aos consumidores e aos outros
usuários de tecnologias protegidas. O equilíbrio entre os custos e os
benefícios irá variar de acordo com a forma segundo a qual os direitos são
aplicados e com as circunstâncias econômicas e sociais do país onde estão sendo
aplicados. Os padrões de proteção à PI que talvez sejam adequados aos países
desenvolvidos podem originar mais custos do que benefícios se aplicados aos países em
desenvolvimento, os quais dependem intensamente
do conhecimento gerado em outros países para atender às suas necessidades
básicas e fomentar o desenvolvimento.
Embora a maioria dos países em desenvolvimento não tenha uma base
tecnológica sólida, eles possuem os recursos genéticos e o conhecimento
tradicional que são valiosos para eles e para o mundo todo. Isso incita à outra
pergunta fundamental. O sistema “moderno” de PI pode ajudar a proteger esses
recursos de conhecimento e garantir que os benefícios de seu uso sejam
compartilhados de maneira eqüitativa? No outro lado da balança, a Internet
proporciona oportunidades notáveis para acesso a informações científicas e de
pesquisa necessárias aos países em desenvolvimento, cujo acesso à mídia
tradicional pode ser limitado por falta de recursos. Porém, as formas de
criptografia e as regras de PI podem, paradoxalmente, tornar esse material
menos acessível do que na forma impressa atual.
Também é necessário avaliar quais são os tipos de
direitos que a proteção à PI confere. A concessão de direitos de PI é um instrumento de
política pública, que deve ser elaborado de forma que o benefício para a
sociedade (por exemplo, devido à invenção de um novo medicamento ou tecnologia) supere o custo para a
sociedade (por exemplo, o custo mais elevado de um medicamento e os custos de
administração do sistema de PI). Porém, o direito de PI é privado e, portanto,
os benefícios financeiros e os custos recaem em grupos diferentes da sociedade.
A percepção mais adequada do direito de PI é como um dos meios pelos quais as
nações e as sociedades podem ajudar a promover a satisfação dos direitos humanos
econômicos e sociais. Especialmente, não há circunstâncias em que os direitos
humanos mais básicos estejam subordinados às exigências de proteção da PI. Os
direitos de PI são concedidos pelos países por prazos limitados (pelo menos no
caso de patentes e direitos autorais), enquanto os direitos humanos são
inalienáveis e universais. Atualmente, a maioria dos direitos de PI são
tratados de forma geral como direitos econômicos e comerciais, como no caso do
TRIPS, e pertencem com mais freqüência a empresas do que a inventores
individuais. Mas não se deve permitir que sua descrição como “direitos” oculte
os dilemas originados por sua aplicação em países em desenvolvimento, onde os
custos extras que impõem podem sacrificar as necessidades vitais da população
de baixa renda.
Acreditamos que os responsáveis pelas políticas precisam considerar os
fatos disponíveis, apesar de suas deficiências, antes de ampliar os direitos de
PI. Com muita freqüência, os interesses do “produtor” dominam a evolução da
política de PI, e o consumidor final não é ouvido ou é ignorado. Há um
desequilíbrio semelhante nas discussões sobre os DPIs entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento. Os países em desenvolvimento negociam a
partir de uma posição de relativa. fraqueza A dificuldade é que chegaram “em
segundo lugar” em um mundo que foi moldado pelos “primeiros colocados”. A
questão é definir como podem estruturar seus sistemas de PI para adequá-los às
suas próprias condições econômicas, sociais e tecnológicas, assim como os países
desenvolvidos fizeram no passado.
Se não formos cuidadosos, os sistemas de propriedade
intelectual podem introduzir distorções prejudiciais aos interesses dos países
em desenvolvimento. Os países desenvolvidos devem dedicar mais atenção a
conciliar seus interesses comerciais com a necessidade de reduzir a pobreza nos
países em desenvolvimento, que é uma questão de interesse geral. Não se deve
impor padrões mais elevados de PI aos países em desenvolvimento sem uma
avaliação séria e objetiva do impacto sobre o desenvolvimento e a população de
baixa renda. Precisamos garantir que o sistema global de PI evolua de modo que
as necessidades dos países em desenvolvimento sejam incorporadas e, mais
importante ainda, que contribua para a redução da pobreza nos países em
desenvolvimento, mediante o estímulo à inovação e à transferência de
tecnologias relevantes para eles, ao mesmo tempo em que permite também
disponibilizar os resultados da tecnologia
a preços o mais competitivos possível.
Esperamos que nosso empenho contribua para o desenvolvimento de um
programa que promova o melhor funcionamento do sistema mundial de DPIs e suas
instituições para a população de baixa renda e para os países em
desenvolvimento.
As patentes e os direitos autorais conferem custos e benefícios aos
indivíduos, às empresas e à sociedade como um todo. Proporcionam um incentivo
para a invenção ou a criação que pode beneficiar a sociedade, bem como o
detentor dos direitos, mas também impõem custos aos usuários das matérias
protegidas.
Historicamente, os países hoje desenvolvidos usavam a proteção à PI como
um instrumento flexível para ajudar a promover sua industrialização. Era comum
a discriminação contra estrangeiros (seja por recusar-lhes o direito à proteção
de PI ou por cobrança de tarifas mais altas), assim como a exclusão de setores
inteiros, como alimentos ou produtos farmacêuticos, da patenteabilidade. Em
alguns países, o sistema de patentes só foi totalmente implementado no século
20. Os países do leste da Ásia, exemplos recentes de desenvolvimento
bem-sucedido, ampliaram e desenvolveram sua habilidades científicas e técnicas
no contexto de regimes de PI fracos. Hoje, sob o TRIPS e as pressões crescentes
para harmonização, a maioria dos países em desenvolvimento enfrenta restrições
quanto a aplicação do sistema de PI. Eles não podem discriminar entre campos de
tecnologia ou nacionalidades, e várias ferramentas de política de PI que
historicamente foram usadas são restringidas pelo acordoTRIPS.
Os fatos contemporâneos sugerem que, como os países em desenvolvimento
são grandes importadores de tecnologia do mundo desenvolvido, a globalização da
proteção à PI resultará no aumento substancial das transferências líquidas dos
países em desenvolvimento para os países desenvolvidos. Os benefícios gerados
pela proteção à PI para os países em desenvolvimento precisariam resultar de um
estímulo dinâmico e compensador ao comércio, ao desenvolvimento tecnológico,
aos investimentos e ao crescimento.
Nos países desenvolvidos, os dados sugerem enfaticamente que certos
tipos de empresas, em especial do setor farmacêutico, consideram os DPIs
essenciais para promover a inovação. Nos países em desenvolvimento, porém, há
muito menos indícios de que os sistemas de DPIs sejam um estímulo fundamental à
inovação. Na verdade, para a maioria dos países em desenvolvimento com pouca
capacidade tecnológica, os dados de comércio, investimentos estrangeiros e
crescimento indicam que a proteção à PI terá pouco impacto. Tampouco é provável
que os benefícios da proteção à PI superem os custos no futuro próximo. Para os
países em desenvolvimento mais avançados tecnologicamente, o equilíbrio é mais
delicado. É possível obter ganhos dinâmicos com a proteção à PI, mas às custas
de outros setores e dos consumidores.
A questão fundamental com relação à PI talvez não seja se ela promove o
comércio ou o investimento estrangeiro, mas como ajuda ou impede que os países
em desenvolvimento tenham acesso às tecnologias necessárias para o
desenvolvimento. Países como a Coréia começaram, há 40 anos, com um nível de
conhecimento tecnológico baixo, comparável ao de muitos países de baixa renda
atuais, mas tornaram-se inovadores por seus próprios meios. A transferência de
tecnologia e o desenvolvimento de uma capacitação tecnológica inatae
sustentável são determinados por muito fatores, incluindo os DPIs, mas de forma
alguma limitam-se a eles. Além disso, a economia global mudou radicalmente
desde que a transferência de tecnologia esteve em alta nas pautas
internacionais, quando o Código de Conduta Internacional sobre Transferência de
Tecnologia estava em discussão no início da década de 1980.
No ambiente liberal e competitivo atual, as empresas estabelecidas nos
países em desenvolvimento não podem mais competir com base na importação
de tecnologias “maduras” desenvolvidas
nos países desenvolvidos, produzindo-as por detrás de barreiras tarifárias. E
as empresas estão mais cautelosas ao transferir tecnologia de formas que possam
aumentar a concorrência que enfrentam. O problemas diz menos respeito à
obtençãode tecnologias maduras em condições justas e equilibradas, mas das
tecnologias sofisticadas que são necessárias para que se possa ser competitivo
na economia mundial contemporânea. O TRIPS fortaleceu a proteção global
oferecida aos fornecedores de tecnologia, mas sem qualquer contrapartida de
fortalecimento das políticas de competição global. Portanto, não é recomendável
concentrar-se no TRIPS como o principal meio para facilitar a transferência de
tecnologia. É necessário buscar uma pauta mais ampla, como a que tem sido
atualmente feita no âmbito da OMC. Os países desenvolvidos precisam dar mais
atenção a suas políticas de estímulo à transferência de tecnologia. Além disso,
devem promover pesquisas e cooperação mais eficazes com e entre os países em
desenvolvimento, a fim de fortalecer suas capacitações científicas e
tecnológicas.
·
Políticas de incentivo adequadas
devem ser consideradas nos países desenvolvidos, no sentido de promoverem a
transferência de tecnologia; por exemplo, as isenções fiscais para empresas que
licenciam tecnologia para países em desenvolvimento.
·
Políticas eficazes de competição
devem ser estabelecidas nos países em desenvolvimento.
·
Mais recursos públicos devem ser
disponibilizados nos países em desenvolvimento, para promover a capacitação
científica e tecnológica nacional por meio de cooperação científica e
tecnológica. Por exemplo, é necessário apoiar a Aliança Global para Pesquisa
entre as instituições de pesquisa dos países em desenvolvimento e dos países
desenvolvidos.
·
Compromissos devem ser estabelecidos
para garantir que os benefícios de pesquisas financiadas com as verbas públicas
estejam disponíveis para todos, inclusive para os países em desenvolvimento.
·
Acordos para garantir o acesso
aberto aos bancos de dados científicos.
Sem o
incentivo das patentes, é pouco provável que o setor privado tivesse investido
tanto na descoberta ou no desenvolvimento de novos medicamentos, muitos dos
quais ainda estão sendo usados nos países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Porém, os dados sugerem que o sistema de PI praticamente não estimula a
pesquisa sobre doenças que predominam nos países em desenvolvimento, exceto
para aquelas que também apresentem um mercado expressivo no mundo desenvolvido
(por exemplo, diabetes ou doenças cardíacas). Tampouco é provável que a
globalização da proteção à PI resulte em mais investimentos do setor privado
para o desenvolvimento de tratamentos para doenças que afetam principalmente os
países em desenvolvimento. Os dados também sugerem que a proteção às patentes
afeta os preços cobrados pelos medicamentos. Nos países desenvolvidos, a
concorrência dos genéricos faz com que os preços diminuam drasticamente, em especial
se o mercado é grande o bastante para comportar vários concorrentes genéricos.
Na ausência de patentes nos países em desenvolvimento, mais pessoas poderiam
pagar pelos tratamentos de que necessitam. Quando o TRIPS estiver totalmente em
vigor, após 2005, especialmente quando países como a Índia tiverem que
implementar a proteção às patentes, a competição existente de fornecedores
genéricos diminuirá.
O sistema
de PI é um dos vários fatores que afetam o acesso da população de baixa renda à
saúde. Outras limitações importantes ao acesso a medicamentos em países em
desenvolvimento são a falta de recursos e a ausência de uma infra-estrutura de
saúde adequada (incluindo hospitais, clínicas, profissionais de saúde,
equipamentos e suprimento adequado de drogas) para administrar medicamentos de
maneira segura e eficaz. Além disso, os países em desenvolvimento podem adotar
outras políticas, tais como impostos sobre medicamentos, que afetariam
adversamente o acesso.
À medida
que os direitos de propriedade intelectual são fortalecidos em todo o mundo, o
custo dos medicamentos em países em desenvolvimento deve aumentar, a menos que
sejam adotadas medidas eficazes para facilitar sua disponibilidade a preços
menos elevados nos países em desenvolvimento. Existem várias políticas de PI
que tanto os países desenvolvidos como os países em desenvolvimento podem
adotar com o intuito de promover medicamentos mais baratos em países em
desenvolvimento e que, na opinião da Comissão, não afetariam adversamente os
incentivos para pesquisas sobre doenças relevantes. Um dos meios de obter
medicamentos a preços mais baixos, entre outros discutidos neste relatório, é
que os países usem um mecanismo denominado “licenciamento compulsório”. Ele
permite que os países licenciem a fabricação de medicamentos patenteados para
outros fabricantes, caso haja bons motivos para fazê-lo (por exemplo, quando o
governo considera que o medicamento é injustificavelmente caro). Também pode
ser útil como ferramenta de barganha em negociações de preços com produtores de
medicamentos patenteados. Por exemplo, os Estados Unidos consideraram esta
possibilidade quando negociavam o preço do Cipro, depois dos ataques com antraz
no ano passado. A importância de que o sistema de PI seja usado para melhorar o
acesso a medicamentos e à saúde pública foi enfatizada em uma Declaração sobre
o TRIPS e a Saúde Pública na reunião Ministerial da OMC em Doha no ano passado.
Uma
questão fundamental em Doha era como os países sem capacitação para fabricar
medicamentos poderiam adquiri-los de acordo com as regras existentes de
licenciamento compulsório. Há várias maneiras e elas são discutidas no
relatório. Um ponto essencial é como isto pode ser realizado de uma forma que
ofereça os incentivos adequados para os fornecedores de medicamentos em
potencial e preços mais baixos do que o detentor da patente está disposto a
oferecer.
Além das medidas internacionais para facilitar o acesso a
medicamentos, os países em desenvolvimento precisam adotar normas de PI em sua
legislação e práticas que limitem o alcance das patentes e facilitem a
introdução da concorrência genérica. Doha também permitiu que os Países Menos
Desenvolvidos (LDCs, Least Developed Countries) isentassem os produtos
farmacêuticos da proteção patentária até pelo menos 2016. No entanto, a maioria
dos LDCs já estabeleceram esta proteção e precisarão alterar a legislação
apropriadamente.
·
Tendo em vista que o sistema de PI
contribui pouco para estimular a pesquisa sobre doenças que afetam
especialmente os pobres, é necessário aumentar on investimentos públicos em
pesquisas voltadas para os problemas de saúde nos países em desenvolvimento.
Esse investimento adicional deve procurar explorar e desenvolver capacidades
existentes em países em desenvolvimento para esse tipo de pesquisa e promover
uma nova capacidade, tanto no setor público quanto no privado.
·
Os países precisam adotar políticas
para melhorar o acesso a medicamentos. Recursos adicionais para melhorar os
serviços, os mecanismos de distribuição e a infra-estrutura são fundamentais.
As outras políticas econômicas precisam estar em harmonia com os objetivos das
políticas de saúde. E também o regime de PI: os países precisam garantir que
seus regimes de proteção à PI não contrariem suas políticas de saúde públicaao
mesmo tempo em que sejam coerentes com elas e as apoiem.
·
O sistema de PI pode ajudar a
estabelecer mecanismos de preços diferenciados, que permitiriam a redução dos
preços dos medicamentos nos países em desenvolvimento, mantendo preços mais
altos nos países desenvolvidos. Para que o mecanismo de preço diferenciado
funcione, será necessário impedir que os medicamentos a preços mais baixos
sejam comercializados no mercado dos países desenvolvidos. Os países
desenvolvidos devem manter e fortalecer seus regimes legislativos para evitar
importações de produtos farmacêuticos mais baratos originários dos países em
desenvolvimento e para ajudar a manter o diferencial de preços. No entanto, os
países em desenvolvimento devem procurar facilitar em sua legislação a possibilidade
de importar medicamentos patenteados, se puderem obtê-los mais baratos em
outros lugares do mundo. O acordo TRIPS permite que os países estabeleçam suas
próprias regras, no que é denominado tecnicamente de “importações paralelas”.
·
Os países em desenvolvimento devem
estabelecer leis e procedimentos exeqüíveis que lhes permitam utilizar o
licenciamento compulsório. Da mesma forma, devem também criar disposições
semelhantes para o que se denomina de “uso governamental”. Muitos países
desenvolvidos possuem leis que permitem que seus governos utilizem invenções
patenteadas sem infringir patentes em uma grande variedade de circunstâncias.
·
A questão de como facilitar o
licenciamento compulsório para os países em desenvolvimento com capacidade de
fabricação inadequada está atualmente em
debate no Conselho do TRIPS e e levanta
várias questões detalhadas de natureza legal e prática. É preciso encontrar um
modo de conciliar a natureza da solução adotada com o objetivo de oferecer
medicamentos com a qualidade apropriada ao menor custo possível. Se isso não
for possível, a solução praticamente não terá resultados concretos. Da mesma
forma, a opção de licenciamento compulsório não será eficaz como ferramenta de
negociação com as empresas. Não importa qual seja a solução adotada, ela deve
ser implementada de maneira rápida e fácil para garantir que as necessidades
dos pobres nos países em desenvolvimento sejam priorizadas. Ainda,E deve
estabelecer condições que ofereçam aos fornecedores em potencial o incentivo
econômico necessário para que exportem os medicamentos que são necessários
nesses países.
·
O TRIPS permite flexibilidade
considerável na maneira como os países podem elaborar seus sistemas de
patentes. Como a maioria dos países em desenvolvimento não possui capacidade de
pesquisa significativa, eles pouco têm a ganhar ao oferecer proteção abrangente
a patentes como meio de estimular a pesquisa, mas têm muito a perder como
resultado do impacto das patentes nos preços. Portanto, os países em
desenvolvimento devem definir normas rígidas de patenteabilidade para evitar a
concessão de patentes que possam ter valor limitado em relação a seus objetivos
de saúde. Tais sistemas devem visar à promoção da concorrência e oferecer
salvaguardas em caso de abusos do sistema de patentes.
·
Por exemplo, a maioria dos países em
desenvolvimento deve excluir de patenteabilidade os métodos diagnósticos,
terapêuticos e cirúrgicos, inclusive os novos usos de produtos conhecidos,
conforme as disposições do TRIPS.
·
Os países em desenvolvimento também
devem criar disposições em suas legislações que facilitem a entrada de
concorrentes genéricos tão logo a patente de um determinado medicamento tenha
expirado. Uma destas disposições (a exceção “Bolar”) permite que os fabricantes
de genéricos desenvolvam suas versões de medicamentos patenteados durante a
vigência da patente sem infringi-la. Outro modo seria tornar mais fácil e
barata a obtenção de aprovação regulatória pelos fabricantes de genéricos para
medicamentos similares aos registrados, garantindo simultaneamente a proteção
aos dados de testes (por exemplo, dados de testes clínicos que as empresas
precisam realizar para obter a aprovação de órgãos reguladores como a FDA nos
Estados Unidos) contra uso comercial indevido.
·
Os LDCs que já oferecem proteção
farmacêutica devem considerar com atenção como a legislação pode ser alterada
para que se beneficiem da Declaração de Doha. O Conselho do TRIPS deve analisar
os acordos de transição para os LDCs, inclusive aqueles que solicitaram entrada
na OMC, em todos os campos da tecnologia.
Capítulo 3: AGRICULTURA E RECURSOS GENÉTICOS
A Comissão concluiu que, enquanto o volume de recursos
públicos dos países desenvolvidos aplicado no financiamento de pesquisas
relevantes para os agricultores pobres nos países em desenvolvimento está
estagnado ou em declínio, o elemento dinâmico é a pesquisa no setor privado,
apoiada pela proteção à PI e na demanda dos agricultores em países
desenvolvidos, e nos setores comerciais de alguns países em desenvolvimento.
Essa combinação de tendências apresenta o risco de que as prioridades de
pesquisa em geral sejam cada vez menos relevantes para as necessidades dos
agricultores pobres nos países em desenvolvimento. Além disso, a estagnação dos
investimentos públicos ameaça, entre outros,
a manutenção de bancos genéticos nacionais e internacionais, que são a
principal fonte de material genético para esforços futuros de melhoramento
genético, importantes para os agricultores pobres. Embora nos últimos anos os
direitos de PI dos fitotécnicos tenham se fortalecido cada vez mais, como
requer o TRIPS, pouco foi feito na prática para reconhecer os serviços
executados pelos agricultores quanto à seleção, ao desenvolvimento e à
conservação de suas variedades tradicionais, com base nas técnicas modernas de
melhoramento genético. O Tratado da FAO sobre Recursos Genéticos de Plantas
para Alimentos e Agricultura, acordado recentemente, procura proteger os
materiais disponíveis em bancos genéticos e nos campos dos agricultores cobertos
pelo tratado para que não sejam patenteados diretamente e também estimula os
países a protegerem os Direitos dos Agricultores.
De acordo com o TRIPS, os países devem aplicar algum
tipo de proteção à PI de variedades de plantas, seja por patentes ou mediante
outros tipos de proteção (denominadas sui
generis). Devem também permitir que os microorganismos sejam patenteáveis.
A Comissão conclui que os dados sugerem que os sistemas sui generis de proteção a variedades vegetais (PVP, Plant Variety
Protection) não foram especialmente eficazes para estimular a pesquisa de
culturas em geral e, principalmente, dos tipos de culturas plantadas pelos
agricultores pobres. Os sistemas de PVP elaborados de acordo com as
necessidades da agricultura comercial nos países desenvolvidos (como previsto
na Convenção da UPOV) também constituem uma ameaça às práticas de muitos
agricultores nos países em desenvolvimento de reutilizar, trocar e vender
sementes informalmente e podem não ser adequados nos países em desenvolvimento que
não dispõem de agricultura comercial significativa. Em geral, as patentes são
usadas nos países desenvolvidos para proteger tanto as variedades vegetais
quanto o material genético nelas incorporado. Como elas oferecem uma forma mais
rígida de proteção do que a maioria dos sistemas de PVP, podem também oferecer
maior incentivo à pesquisa, em especial nos países desenvolvidos, e as empresas
agroquímicas multinacionais consideram-nas importantes. No entanto, as patentes
também são uma ameaça às práticas tradicionais dos agricultores referentes à
reutilização e troca de sementes. Além disso, a proliferação de patentes
genéticas pertencentes a diferentes empresas levou a disputas onerosas e a
dificuldades para promover pesquisas sem infringir patentes de outras empresas.
Há indícios de que as patentes são um fator que contribui para a rápida
concentração no campo da biotecnologia agrícola, com efeitos adversos no grau
de concorrência.
·
Devido às restrições que as patentes
podem estabelecer quanto ao uso de sementes por agricultores e pesquisadoresos
países em desenvolvimento não deveriam, em geral, oferecer proteção a patentes para vegetais e
animais, conforme é permitido pelo TRIPS. Ao contrário, deveriam considerar diferentes
formas de sistemas sui generis para
variedades vegetais.
·
Como é pouco provável que se
beneficiem dos incentivos à pesquisa oferecidos pelo sistema de patentes, mas
terão de arcar com os custos, os países em desenvolvimento com capacidade
tecnológica limitada deveriam restringir os pedidos de patentes em
biotecnologia agrícola, de forma consistente com o TRIPS. Por razões
semelhantes, deveriam adotar uma definição restritiva para o termo
“microorganismo”.
·
No entanto, os países que possuem, ou
desejam desenvolver, indústrias de base
biotecnológica podem optar por oferecer certos tipos de proteção a patentes
nessa área. Se o fizerem, devem ser estabelecidas exceções específicas para os
direitos exclusivos para melhoramento genético de plantas e pesquisa. É
necessário analisar com atenção até que ponto os direitos de patentes
aplicam-se também às colheitas. É importante que uma exceção clara ao direito
de patente seja incluída na legislação de modo a permitir que os agricultores
reutilizem a semente.
·
A análise das disposições pertinentes
do TRIPS, que está ocorrendo atualmente no Conselho do TRIPS, deve preservar o
direito dos países de não conceder patentes para plantas e animais, inclusive
genes e plantas e animais transgênicos. Também deve permitir que os países
desenvolvam regimes sui generis para
a proteção de variedades vegetais adequados a seus sistemas agrícolas. Tais
regimes devem permitir o acesso às variedades protegidas para pesquisas
posteriores e melhoramento genético, e garantir o direito dos agricultores de
guardar e replantar sementes, inclusive a possibilidade de venda e troca
informais.
·
Devido à concentração crescente no
setor de sementes, é importante que a pesquisa em agricultura financiada pelo
setor público, e seu componente internacional, seja fortalecida e melhor financiada.
Os objetivos devem ser o de garantir que a pesquisa seja orientada às
necessidades dos agricultores pobres, que as variedades vegetais do setor
público estejam disponíveis de modo a proporcionar concorrência com as
variedades do setor privado e que o patrimônio mundial de recursos vegetais
seja mantido. Além disso, esta é uma área em que muitas nações devem considerar
o uso da lei da concorrência para reagir ao alto nível de concentração no setor
privado.
·
Os países desenvolvidos e em
desenvolvimento devem acelerar o processo de ratificar o Tratado da FAO sobre
Recursos Genéticos para Alimentos e Agricultura e, especialmente, devem
implementar as disposições do Tratado relativas à não concessão de proteção de
DPIs ao material genético na forma recebida dos bancos genéticos protegidos
pelo Tratado. Devem também implementar nacionalmente medidas para promover os
Direitos dos Agricultores, incluindo a proteção aos conhecimentos tradicionais
pertinentes aos recursos genéticos vegetais, o direito de participar do
compartilhamento de benefícios eqüitativos resultantes da utilização de
recursos genéticos vegetais para alimentos e agricultura, e o direito de
participar da tomada de decisões, em nível nacional, sobre assuntos relativos à
conservação e ao uso sustentável dos recursos genéticos vegetais.
Capítulo 4: CONHECIMENTO TRADICIONAL E INDICAÇÕES
GEOGRÁFICAS
Há vários motivos para proteger e promover o
conhecimento tradicional. Entre eles, a erosão de estilos de vida e culturas
tradicionais por meio de pressões externas, a apropriação indébita, a
preservação da biodiversidade e a promoção de seu uso para fins de
desenvolvimento. Alguns desejam conservar o conhecimento tradicional e
protegê-lo contra a exploração comercial; outros desejam garantir que seja
explorado de maneira eqüitativa para o benefício de seus proprietários.
Subjacentes a esse debate sobre a proteção do conhecimento tradicional podem
estar questões ainda mais importantes, como a posição das comunidades nativas
na economia geral e na sociedade do país em que habitam, e seu acesso à terra
que sempre habitaram, ou à sua propriedade. Considerando as razões variadas
para a proteção e a natureza ampla do tema, não há apenas uma maneira pela qual
o conhecimento tradicional possa ser protegido ou promovido. Serão necessárias
várias medidas complementares, muitas das quais residem fora do campo da
propriedade intelectual. Por exemplo, as medidas necessárias para a apropriação
indébita do conhecimento tradicional podem não ser as mesmas necessárias para
estimular seu uso mais amplo, e talvez nem sejam compatíveis com elas. Há
espaço para mais debates com o objetivo de esclarecer essas questões complexas.
A proteção ao conhecimento tradicional pode ser obtida
tanto a partir do sistema de PI existente como pela criação de formas de
proteção novas ou sui generis.
Recentemente, houve casos amplamente divulgados de patentes concedidas para
conhecimento tradicional que já era de conhecimento público. A fim de evitar a apropriação indébita
do conhecimento tradicional por meio de patentes baseadas em tal conhecimento,
estão ocorrendo esforços para catalogar o conhecimento tradicional em bancos de
dados digitais, os quais serão acessíveis aos examinadores de todos os
departamentos de patentes. Em outros casos, as leis e as práticas de patentes
podem permitir patentes de “invenções” que são pouco mais do que descobertas.
Alguns países não reconhecem o uso do conhecimento em outros países como motivo
para não conceder patentes. Por exemplo, o uso em outros lugares pode
demonstrar que a suposta invenção não é inédita ou é óbvia, mesmo que não tenha
sido usada no país. Mesmo quando são concedidas patentes para invenções válidas
derivadas de recursos genéticos ou de conhecimento tradicional, pode acontecer
que as comunidades que forneceram os recursos ou o conhecimento tradicional não
deram seu consentimento informado e não houve acordos para compartilhar os
benefícios da comercialização.
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), firmada
pela maioria dos países, procura estimular o acesso aos recursos genéticos
mundiais, desde que este ocorra com o consentimento informado do proprietário
do recurso e que os benefícios derivados do acesso sejam compartilhados de
maneira eqüitativa. Ainda se discute até que ponto o sistema de PI deve apoiar
a CDB. O âmago da discussão tem sido definir se quem solicita uma patente deve
revelar em seu pedido a fonte de qualquer material genético usado na invenção.
Outro debate no Conselho do TRIPS estabelecido na OMC
concentra-se em definir se a proteção concedida no TRIPS a indicações
geográficas (ou seja, indicações que identificam as origens de um produto como
marca de qualidade e procedência) deve ser ampliada, seja estabelecendo um
registro internacional de indicações protegidas ou estendendo para outros
produtos a proteção adicional conferida atualmente para vinhos e destilados. No
entanto, esse debate não abrange uma avaliação econômica real do impacto dessas
propostas nos países em desenvolvimento.
·
Neste estágio inicial do debate sobre
conhecimento tradicional, há muito a ganhar ao se considerar a questão em
vários fóruns, ao mesmo tempo em que se garante que abordagens coerentes sejam
desenvolvidas e que o esforço não seja duplicado.
·
Com esta ampla variedade de material
a ser protegido e razões diversas para “protegê-lo”, talvez um sistema sui generis, único e abrangente, para
proteção do conhecimento tradicional seja específico demais e não seja flexível
o bastante para acomodar todas as necessidades locais.
·
Logo que seja viável, as bibliotecas
digitais de conhecimento tradicional que estão sendo criadas devem ser
incorporadas às listas de pesquisa mínima dos departamentos de patentes,
garantindo, assim, que os dados contidos nelas sejam considerados durante o
processamento dos pedidos de patentes. Os proprietários de conhecimento
tradicional desempenham um papel fundamental na decisão sobre a inclusão do
conhecimento nos bancos de dados e também devem se beneficiar de qualquer
exploração comercial da informação.
·
Os países que incluírem apenas o uso
nacional em sua definição de estado da
técnica devem proceder tratamento igual para os usuários de conhecimento em
outros países. Deve-se levar em conta a natureza não-escrita de grande parte do
conhecimento tradicional em quaisquer tentativas de desenvolver ainda mais o
sistema de patentes no âmbito internacional.
·
O princípio da eqüidade determina que
uma pessoa não deve se beneficiar de um direito de PI baseado em recursos
genéticos ou em conhecimento associado adquirido em contravenção a qualquer
legislação que regule o acesso a tais materiais.
·
Nesses casos, o ônus de provar que o
proprietário da PI agiu de modo impróprio geralmente recai sobre o detentor do
conhecimento. Mas isto requer que o detentor esteja ciente do que ocorreu.
·
Por esse motivo, todos os países
devem determinar em sua legislação a divulgação obrigatória, no pedido de
patente, de informações sobre a origem geográfica dos recursos genéticos dos
quais a invenção deriva. Esta exigência deve estar sujeita a exceções
razoáveis, como, por exemplo, quando for inquestionavelmente impossível
identificar a origem geográfica do material. Devem ser aplicadas sanções apenas
quando for possível comprovar que o detentor da patente omitiu a divulgação da
fonte conhecida ou quando forneceu deliberadamente dados incorretos sobre a
fonte. O Conselho do TRIPS deve considerar isto à luz da análise desta questão
recomendada na Declaração Ministerial da OMC em Doha.
·
Também é necessário considerar o
estabelecimento de um sistema pelo qual os departamentos de patentes, ao
examinarem os pedidos de patentes que identifiquem a origem geográfica dos
recursos genéticos ou do conhecimento tradicional, transmitam a informação ao
país relevante ou à OMPI. A OMPI pode agir como depositária de informações
relativas a patentes desta natureza. Por meio destas medidas, será possível
monitorizar o uso e o abuso dos recursos genéticos.
·
Com relação às indicações
geográficas, um órgão competente, possivelmente a UNCTAD, deve promover mais
pesquisas para avaliar os benefícios e os custos para os países em
desenvolvimento das disposições existentes nos termos do TRIPS, qual função
essas podem desempenhar no desenvolvimento, e os custos e benefícios de várias
propostas para ampliar as indicações geográficas e estabelecer um registro
multilateral.
Capítulo 5: DIREITOS AUTORAIS, SOFTWARE E INTERNET
Há
exemplos de países em desenvolvimento que se beneficiaram de proteção aos
direitos autorais. As indústrias de software e cinema na Índia são bons exemplos.
Mas há outros difíceis de identificar. Muitos países em desenvolvimento há
muito tempo possuem proteção aos direitos autorais, mas não se comprovou que
essa fosse suficiente para estimular o crescimento de setores protegidos por
direitos autorais. Como a maioria dos países em desenvolvimento, especialmente
os menores, são grandes importadores de materiais cujos direitos autorais estão
protegidos e, portanto, os principais beneficiários são os estrangeiros que
detêm os direitos, a operação do sistema de direitos autorais como um todo pode
resultar em mais custos do que benefícios para eles. Em direitos autorais, há
mecanismos flexíveis em tratados internacionais (como a Convenção de Berna) que
permitem cópia especificamente para uso pessoal e educacional. Estes mecanismos
são conhecidos de forma geral como cláusulas de “utilização justa” ou “comércio
justo”. Na maioria dos casos, não se comprovou que sejam adequados para atender
às necessidades dos países em desenvolvimento, especialmente no campo da educação.
Os países em desenvolvimento precisam
implementar sistemas eficazes para fazer cumprir seus direitos. No entanto, em
muitos casos (por exemplo, software), a escala absoluta dos prejuízos estimados
resultantes de cópias ilegais é maior nos países desenvolvidos. E, sem dúvida,
os níveis baixos de cumprimento da lei tiveram um impacto importante em algumas
áreas para a difusão de conhecimento e de produtos baseados em conhecimento no
mundo em desenvolvimento. Muitas pessoas pobres nos países em desenvolvimento
só podem ter acesso a certas obras mediante cópias não-autorizadas, disponíveis
a uma fração do preço do original. Um impacto inevitável da proteção mais
rígida e da fiscalização mais intensa, como requer o TRIPS, será a redução do
acesso a produtos relacionados ao conhecimento nos países em desenvolvimento,
com conseqüências potencialmente prejudiciais aos pobres. Por exemplo, o custo
de software é um problema fundamental para os países em desenvolvimento e o
motivo do alto índice de cópias ilegais. Os direitos autorais também podem ser
uma barreira para o desenvolvimento adicional de software adaptado
especificamente às necessidades e aos requisitos locais.
O acesso à Internet nos países em
desenvolvimento é limitado, embora esteja crescendo rapidamente na maioria
deles. A Internet proporciona um meio incomparável de acesso a baixo custo ao
conhecimento e às informações necessárias aos países em desenvolvimento, nos
quais o acesso a livros e periódicos é severamente limitado pela falta de
recursos. Mas a aplicação das normas de direitos autorais à Internet é
problemática. E os direitos históricos de “utilização justa” podem ser
restritos por formas de proteção tecnológica, como a criptografia, que
restringem o acesso com rigor ainda maior do que os direitos autorais. Nos
Estados Unidos, a legislação recente, a Lei sobre Direitos Autorais Digitais do
Milênio (DMCA, Digital Millennium Copyright Act) proíbe o não-cumprimento dessa
proteção tecnológica, mesmo que a finalidade do não-cumprimento não viole as
leis de direitos autorais. A UE introduziu uma forma especial de proteção aos
bancos de dados (a “Diretiva de Proteção das Bases de Dados”), que recompensa o
investimento na criação de bancos de dados e pode restringir o acesso aos dados
por cientistas ou terceiros, inclusive nos países em desenvolvimento. O Tratado
sobre Direitos Autorais da OMPI de 1996 contém elementos que podem restringir o
acesso dos países em desenvolvimento à informação.
·
Os editores, inclusive os que
publicam on-line, e os produtores de software deveriam rever suas políticas de
preços para ajudar a reduzir o volume de cópias não-autorizadas e facilitar o
acesso a seus produtos em países em desenvolvimento. As iniciativas adotadas
pelos editores para ampliar o acesso a seus produtos nos países em
desenvolvimento são valiosas e estimulamos uma expansão desses esquemas. Um bom
exemplo do que pode ser feito é estender as iniciativas de acesso on-line
gratuito a todos os periódicos acadêmicos para os países em desenvolvimento.
·
Para melhorar o acesso a obras
protegidas e atingir suas metas em educação e transferência de conhecimento, os
países em desenvolvimento deveriam adotar medidas que favoreçam a concorrência
de acordo com as leis de direitos autorais. Eles deveriam ter permissão para
manter ou adotar exceções abrangentes para usos em educação, pesquisa e
bibliotecas em suas leis nacionais de direito autorais. A implementação de
normas internacionais de direitos autorais nos países em desenvolvimento deve
ser efetuada mediante uma avaliação adequada da elevada necessidade de melhoria
da disponibilidade destes produtos, e de sua importância fundamental para o
desenvolvimento econômico e social.
·
Os países em desenvolvimento e seus
parceiros doadores devem rever suas políticas de aquisição de software, com o
objetivo de garantir que as opções de uso de software de baixo custo e/ou de
código aberto sejam consideradas adequadamente, e que seus custos e benefícios
sejam avaliados com cuidado. Para que o software possa ser adaptado às necessidades
locais, os países em desenvolvimento devem garantir que suas leis nacionais de
direitos autorais permitam a engenharia reversa dos programas de softwares, de
maneiras compatíveis com os tratados internacionais relevantes que assinaram.
·
Os usuários de Internet nas nações em
desenvolvimento devem estar habilitados a direitos de utilização justa, como
fazer e distribuir cópias impressas de fontes eletrônicas, em número razoável,
para fins educacionais e de pesquisa, e usar citações razoáveis em comentários
e em críticas. Caso os fornecedores de informações digitais ou software tentem
restringir os direitos de “utilização justa” com disposições contratuais
associadas à distribuição de material digital, a disposição contratual
pertinente deve ser considerada nula. Caso a mesma restrição seja tentada por
meios tecnológicos, as medidas para invalidar os meios tecnológicos de proteção
em tais circunstâncias não devem ser consideradas ilegais. Os países em
desenvolvimento devem deliberar com cuidado antes de assinar o tratado de
Direito Autorais da OMPI. Também não devem seguir as orientações dos Estados
Unidos e da UE, implementando legislações nas linhas da DMCA ou da Diretiva
sobre Bases de Dados.
Capítulo 6: REFORMA DAS PATENTES
A
natureza heterogênea dos países em desenvolvimento, em especial com relação à
capacitação técnica e científica, impõe a necessidade da adoção de um sistema de PI que melhor atenda aos seus
objetivos de desenvolvimento e às suas circunstâncias econômicas e sociais. Os
países em desenvolvimento mais avançados tecnologicamente talvez desejem adotar
sistemas que ofereçam proteção ampla a patentes, como incentivos para pesquisa
e desenvolvimento. Por outro lado, seria recomendável evitar os aspectos do
sistema que poderiam funcionar como desestímulo para pesquisa e desenvolvimento
ou que possam fazer com os que os recursos sejam desviados para litígios e
processos sobre patentes de validade duvidosa. Os sistemas precisariam ter
salvaguardas apropriadas para garantir um ambiente competitivo e minimizar os
custos para os consumidores. Isso é especialmente importante em áreas de
tecnologia como produtos farmacêuticos e agricultura, nas quais os custos para
fornecer proteção rigorosa a patentes serão provavelmente mais altos.
Para a imensa
maioria dos países em desenvolvimento, em especial aqueles com baixa renda, que
dependem principalmente de tecnologia e mercadorias importadas, o melhor
sistema pode ser aquele que aplique padrões rígidos de patenteabilidade e
resulte, em conseqüência, em um número menor de
patentes que atendam aos critérios de patenteabilidade. Isto pode ser
preferível a um sistema mais abrangente de proteção, que beneficia
principalmente os detentores estrangeiros de patentes. Um segundo nível de
proteção, com base em uma modalidade de patentes conhecida como modelos de
utilidade e que oferece proteção com base em limites de patenteabilidade mais
baixos, pode ser mais apropriado para as circunstâncias econômicas de muitos
países em desenvolvimento do que o sistema abrangente de patentes.
Como
grande parte do conhecimento científico e tecnológico nos países em
desenvolvimento concentra-se no setor público, é necessário considerar com
atenção as implicações de seguir o exemplo dos países desenvolvidos e estimular
a obtenção de mais patentes por institutos de pesquisas e universidades. Os
países em desenvolvimento precisam considerar as questões surgidas nos países
desenvolvidos sobre os incentivos e os desestímulos que isso proporciona para o
uso de tecnologias inventadas nessas instituições, e como podem afetar as
prioridades de pesquisa.
As normas
para patentes aplicadas nos países desenvolvidos também são importantes, pois
grande parte da pesquisa relevante para os países em desenvolvimento pode ser
realizada nos países desenvolvidos ou em esforços de cooperação com os
pesquisadores dos países desenvolvidos. Um ponto importante a mencionar são as
patentes para ferramentas essenciais para pesquisa, como por exemplo as
seqüências de genes específicas no campo de biotecnologia. Um aumento das
patentes de tais ferramentas de pesquisa nos países desenvolvidos pode ser um
obstáculo a pesquisas importantes para os países em desenvolvimento. Os países
em desenvolvimento também precisam evitar ao máximo que esses problemas surjam
em seus sistemas de patentes.
Os países
em desenvolvimento já enfrentam grandes obstáculos para implementar sistemas de
patentes. Há forte pressão para harmonizar o sistema internacional de patentes
de modo a superar os problemas encontrados, especialmente nos países
desenvolvidos, para lidar com a pressão do volume crescente de pedidos de
patentes. Como o sistema é essencialmente nacional ou regional, há muita
duplicidade aparente nos procedimentos, como busca e exame, que a harmonização
poderia eliminar. O perigo para os países em desenvolvimento é que a
harmonização seria baseada nos padrões de proteção dos países desenvolvidos, os
quais podem não ser adequados. Para os países em desenvolvimento, a preocupação
nessas discussões deve ser a de garantir que não não sejam aceitas novas regras
internacionais que limitem ainda mais sua liberdade para elaborar políticas de
patentes adequadas, a menos que seja comprovado que estão de acordo com seus
interesses.
·
Os países em desenvolvimento devem,
nos limites das obrigações internacionais e bilaterais, elaborar um sistema de
patentes que favoreça a competição e limite o escopo da matéria a ser patenteada, aplique padrões rígidos de
patenteabilidade, facilite a competição, inclua salvaguardas abrangentes contra
abuso dos direitos de patentes e estimule a inovação local.
·
Os países em desenvolvimento que
oferecem proteção a patentes de invenções biotecnológicas devem garantir que as
diretrizes de patenteamento sejam tais que o uso das invenções patenteadas por outros
pesquisadores seja o menos limitado possível. Por exemplo, se forem permitidas
patentes sobre genes, as diretrizes devem prever que a patente cubra apenas os
usos definidos na patente e não outros usos da mesma invenção que terceiros
possam descobrir. Isto facilitará pesquisas adicionais na área da patente.
·
Os responsáveis pelas políticas nos
países em desenvolvimento devem considerar o estabelecimento de proteção ao
modelo de utilidade para estimular e recompensar tais inovações, em vez de
diluir os padrões de patenteabilidade. Isto ajudaria a proporcionar incentivos
para a modalidade crescente de inovações que predomina em muitos países em
desenvolvimento.
·
Embora nas instituições públicas de
pesquisa dos países em desenvolvimento a PI tenha uma função de promover a
transferência e a aplicação de tecnologias, é importante que:
o
A geração de fontes alternativas de
financiamento não seja considerada a meta principal, qual seja a de promover a
transferência de tecnologia.
o
Sejam adotados cuidados para
garantir que as prioridades de pesquisa, em especial as que dizem respeito às
necessidades tecnológicas dos pobres, tanto no setor agrícola ou em saúde, não
sejam distorcidas pela tentativa de aumentar a receita de licenciamento.
o
O patenteamento e o licenciamento só
deveriam ocorrer onde sejam considerados necessários para estimular o
desenvolvimento do setor privado e a aplicação de tecnologias.
o
Seja dedicada atenção especial à
necessidade de adotar patentes “defensivas” sobre invenções importantes, em
particular para uso como ferramenta de barganha quando as tecnologias
complementares pertencem a entidades do setor privado e o licenciamento cruzado
pode ser necessário para acessá-las.
o
A obtenção do equilíbrio correto
requer o desenvolvimento do conhecimento de PI por parte das instituições do
setor público que tradicionalmente não o possuem, sem perder de vista os
objetivos da política de pesquisa governamental.
·
No desenvolvimento de iniciativas que
visem a facilitar o acesso a ferramentas de pesquisa essenciais, é importante
continuar a dedicar atenção às oportunidades de aperfeiçoamento dos sistemas de
patentes, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, para prevenir alguns
dos problemas que essas iniciativas procuram solucionar.
·
Os países em desenvolvimento
precisam identificar uma estratégia para lidar com o risco de que a
harmonização internacional das leis de patentes leve a padrões que não
considerem seus interesses. Essa estratégia poderia buscar uma norma global que
reflita as recomendações deste relatórioou a flexibilidade continuada nas
normas ou, ainda, rejeitar o processo, caso se perceba que o resultado não será
do interesse dos países em desenvolvimento.
Para a maioria dos países em desenvolvimento, a
implementação do TRIPS e a adaptação a áreas novas e de evolução rápida em PI
(como biotecnologia e software) requerem mudanças na legislação de PI. Muitos
países em desenvolvimento deparam-se com dificuldades específicas para
desenvolver uma política de PI coordenada. A formulação de uma política de PI
em um país em desenvolvimento deveria se basear em uma avaliação detalhada de
como o sistema de PI poderia ser usado para promover objetivos de
desenvolvimento, e deveria basear-se em consultas e diálogo amplo com os
setores econômicos que provavelmente serão afetados. No entanto, muitos países
em desenvolvimento possuem capacidade institucional fraca e, em especial,
falta-lhes pessoal qualificado e experiente.
Os países em desenvolvimento precisam considerar as
opções institucionais para implementação de regimes de PI, considerando a
escassez de pessoal qualificado, e avaliar como os sistemas de tecnologia da
informação podem ser usados de maneira eficaz para administração e pesquisa.
Uma questão fundamental é definir se deve ser usado um sistema de registro ou
pesquisa e exame para patentes. O primeiro, que envolve apenas uma verificação
básica do pedido de patente, minimiza a necessidade de pessoal qualificado no
departamento de patentes, mas dificulta a implementação de um sistema de
patentes do tipo descrito neste relatório. Devido a problemas com recursos
humanos, implementar o segundo sistema, que requer uma análise detalhada da
validade do pedido de patente e de seu cumprimento dos critérios de
patenteabilidade, é um desafio maior. Os países em desenvolvimento podem
considerar várias estratégias para resolver este dilema, inclusive mediante a
utilização de abordagens internacionais
e regionais para facilitar a pesquisa e o exame, e subcontratar outros
departamentos do governo ou universidades com conhecimento apropriado.
O
estabelecimento e a operação de um sistema de PI são dispendiosos e os países
em desenvolvimento não deveriam desviar recursos dos orçamentos já minguados de
saúde e educação para subsidiar a administração de um sistema para DPIs. Como
os principais beneficiários dos direitos de PI na maioria dos países em
desenvolvimento são as empresas estrangeiras, seria adequado que os custos da
administração de PI fossem assumidos por elas, mediante uma estrutura de
tarifas adequada.
Os DPIs só são valiosos para os detentores de direitos
se forem bem fiscalizados, o que implica que os sistemas jurídicos deve ser
eficazes. E os sistemas jurídicos também devem ter capacidade de rejeitar direitos
de PI inválidos. Entretanto, a execução de DPIs pelo governo e a execução por
meio da justiça criminal são caras e, em muitos países, os sistemas judiciários
estão sob pressão forte, especialmente na área de direito comercial. A natureza
“privada” dos direitos de PI apoia a opção de resolução de disputas fora dos
tribunais ou pela lei civil, de modo a diminuir o ônus de sua execução.
Os detentores de direitos de PI dos países em
desenvolvimento também têm dificuldades para fazer cumprir seus direitos nos
países desenvolvidos, devido ao custo proibitivo de litigar nos tribunais.
Os países
desenvolvidos desenvolveram seus sistemas de PI junto com outras formas de
regulamentação para promover a competição, que age como uma salvaguarda quando
o sistema de PI é usado de formas que reduzem indevidamente a concorrência. Mas
os países em desenvolvimento costumam ter mecanismos fracos e ineficazes para
regular práticas anticompetitivas e, em alguns casos, eles não existem. A
criação de uma legislação competitiva eficaz e das instituições associadas é
tão desafiador quanto estabelecer um regime de PI. Os países em desenvolvimento
precisam considerar o fortalecimento de suas políticas competitivas, o que é
desejável também em outras instâncias e não apenas como um complemento dos
DPIs.
De acordo com o TRIPS, os países desenvolvidos são
obrigados a oferecer assistência técnica e financeira aos países em
desenvolvimento para facilitar a sua implementação. A maior parte dos países
desenvolvidos fornecem algum tipo de assistência técnica relativa à propriedade
intelectual aos países em desenvolvimento, no entanto,é necessário mensurar e
avaliar a qualidade e a quantidade dessa assistência. Os resultados de grande
parte da assistência técnica não parecem proporcionais ao esforço e aos
recursos envolvidos. A assistência por parte de diferentes provedores pode ser
coordenada de forma insuficiente, e a integração com outras formas de auxílio
ao desenvolvimento pode ser insatisfatória.
·
Os países em desenvolvimento e os doadores
devem trabalhar em conjunto para garantir que os processos de reforma nacional
de PI sejam “vinculados” adequadamente com áreas afins da política de
desenvolvimento. É preciso grande empenho para estimular mais participação de
grupos de interesses nacionais nas reformas de PI. Ao fornecer assistência
técnica, os doadores devem ajudar a construir a capacidade das instituições
locais para promover a pesquisa de políticas de PI e o diálogo com os grupos de
interesses, além de fornecer especialistas internacionais e consultoria
jurídica.
·
Os países em desenvolvimento devem
procurar recuperar o custo total de atualizar e manter sua infra-estrutura
nacional de PI por meio de tarifas cobradas aos usuários do sistema. Devem
também considerar a adoção de um sistema de tarifas diferenciadas para registro
de DPI. O nível das tarifas deve ser revisto regularmente para garantir que
permita a recuperação total dos custos de administração do sistema.
·
Para minimizar os custos, os países
em desenvolvimento devem garantir que a legislação e os procedimentos de PI
enfatizem ao máximo a execução dos DPIs por meio de ação administrativa e pelo
sistema de justiça civil em vez do criminal. Os procedimentos para execução do
regime devem ser justos e eqüitativos para ambas as partes e devem garantir que
os mandados de segurança e outras medidas cautelares não sejam usados
indevidamente pelos detentores dos direitos de PI para bloquear a concorrência
legítima. Os fundos públicos e os programas de doadores devem ser usados principalmente
para melhorar a aplicação do regime de PI como parte de um fortalecimento mais
amplo dos sistemas legais e judiciários.
·
Os países desenvolvidos devem
implementar procedimentos para facilitar o acesso a seus sistemas de
propriedade intelectual por inventores das nações em desenvolvimento. Por
exemplo, poderiam incluir tarifas diferentes que favoreçam inventores pobres ou
sem fins lucrativos, sistemas pro bono,
acordos para recuperação de custas judiciais pela parte vencedora do litígio ou
a inclusão de custos apropriados de implementação de PI em programas de
assistência técnica.
·
Os países desenvolvidos e as
instituições internacionais que fornecem assistência para o desenvolvimento de
regimes de PI nos países em desenvolvimento devem fornecer a assistência
em conjunto com o desenvolvimento de políticas e instituições de
concorrência adequadas.
·
A OMPI, o EPO e os países
desenvolvidos devem expandir significativamente seus programas de assistência
técnica relativos a PI. O financiamento adicional necessário poderia ser obtido
por meio de pequenas elevações das tarifas de usuários de PI, como as de PCT (o
sistema internacional para depósito de pedidos de patentes), em vez de se
apoiar em orçamentos de assistência minguados. Os doadores devem também procurar
direcionar mais assistência técnica aos LDCs, considerando suas necessidades
especiais para estabelecimento de um regime de PI, bem como a infra-estrutura
institucional mais ampla necessária para regulamentação e execução eficazes.
·
A assistência técnica relativa à PI
deve ser organizada em relação às necessidades e às prioridades específicas de
um determinado país. Uma maneira de fazer isso é incorporar a assistência à
Estrutura Integrada para Assistência Relacionada ao Comércio, que visa a facilitar
a melhor integração de planos nacionais de desenvolvimento e estratégias de
assistência de doadores.
·
Os doadores devem fortalecer sistemas
para monitoramento e avaliação de seus programas de cooperação para
desenvolvimento relacionados a PI. Como passo inicial importante, deve ser
criado um grupo de trabalho de doadores e países em desenvolvimento para
comissionar e supervisionar uma análise do impacto setorial da assistência
técnica relacionada a PI nos países em desenvolvimento desde 1995. Uma equipe externa
de avaliadores deve realizar a análise.
Capítulo 8: A ESTRUTURA INTERNACIONAL
As principais instituições internacionais responsáveis
pela evolução da política internacional de PI são a OMPI e a OMC. A OMPI é a
principal instituição internacional responsável por organizar as negociações de
Tratados de PI e sua administração. A OMC possui um mandato mais amplo do que a
OMPI, mas é importante para o desenvolvimento de políticas de PI, pois suas
regras, em especial o mecanismo de resolução de disputas, lhe conferem maior
poder para fazer cumprir a norma. A missão da OMPI, disposta em seus estatutos,
é promover a proteção à PI globalmente e a harmonização da legislação nacional.
Seus estatutos não requerem que considere os benefícios e os custos de proteção
à PI nos países em desenvolvimento, nem os vínculos complexos entre a proteção
à PI e o desenvolvimento.
As
flexibilidades disponíveis para os países em desenvolvimento segundo o TRIPS
(por exemplo, para definição de normas para patenteabilidade ou requisitos para
licenciamento compulsório) nem sempre foram totalmente utilizadas pelos países
em desenvolvimento. Talvez isso se deva a uma decisão informada, mas aqueles
países podem também estar limitados por outros compromissos, como acordos
bilaterais, ou porque os responsáveis pelo processo legislativo não estão
suficientemente informados sobre as opções disponíveis ou sobre todas as suas
implicações. Muitos países em desenvolvimento dependem intensamente de modelos
de leis e assistência técnica fornecidos pela OMPI, embora outros órgãos
regionais e nacionais de PI nos países desenvolvidos também desempenhem papel
importante em consultoria. Embora alguns tenham a consultoria prestada pela
OMPI em alta conta, questionou-se se esse aconselhamento aos países em
desenvolvimento considera integralmente as flexibilidades do TRIPS e também seu
uso mais adequado em relação à economia e às circunstâncias sociais especificas
de um país.
Os países
em desenvolvimento devem adotar as normas de proteção do TRIPS em uma data
arbitrária, em 2006, se forem LDCs. O desafio de atingir tal objetivo é grande
e resultará em custos significativos se for estabelecido um regime de PI
inadequado ao nível de desenvolvimento.Há argumentos sólidos com relação aos
benefícios de que os países em desenvolvimento determinem por si próprios o
momento certo para fortalecer sua proteção à PI. O TRIPS contém disposições
para a prorrogação do período de transição para os LDCs e a Declaração de Doha
iniciou este processo, ao ampliar as exceções para a proteção de produtos
farmacêuticos para 2016.
Até certo
ponto, os países desenvolvidos têm um interesse legítimo nos padrões de PI de
seus parceiros comerciais. Porém, os acordos regionais e bilaterais que
estimulam os países em desenvolvimento a adotarem padrões mais elevados de
proteção à PI, além do escopo no TRIPS, podem minar o sistema multilateral ao
limitar o uso pelos países em desenvolvimento das flexibilidades e exceções
permitidas pelo TRIPS e por outros tratados. E os padrões mais elevados podem
não ser apropriados ao estágio de desenvolvimento do país envolvido.
A
participação ativa dos países em desenvolvimento nas discussões sobre o futuro
do sistema de PI é essencial para garantir a legitimidade do estabelecimento de
padrões e sua adequação e importância para as nações em estágios de
desenvolvimento muito diferentes. A participação efetiva dos países em
desenvolvimento depende do conhecimento e da experiência de seus
representantes, os quais talvez não estejam familiarizados com alguns dos
assuntos técnicos em discussão na OMPI e no Conselho do TRIPS da OMC. Os países
em desenvolvimento também recebem aconselhamento sobre questões relativas a PI
de várias fontes, o que é vantajoso em termos de diversidade; porém, muitas
vezes, a recomendação reflete o ponto de vista de quem a fornece, e não
necessariamente os melhores interesses do país em questão.
As ONGs têm contribuído de maneira positiva para expressar as
preocupações sobre o impacto da PI nos países em desenvolvimento. Por exemplo,
as campanhas de conscientização pública lideradas pelas ONGs ligadas a
desenvolvimento e saúde foram fatores importantes no apoio a países em
desenvolvimento nas negociações da Declaração sobre o TRIPS e Saúde Pública em
Doha. No setor de agricultura e recursos genéticos, as ONGs também
desempenharam uma função de destaque. Algumas pessoas questionaram exatamente
quem as ONGs representam e a quem se reportam. Essa é uma preocupação legítima
e, portanto, fundamental para garantir que seu papel seja construtivo em
relação à avaliação adequada dos interesses dos países em desenvolvimento. Ao
mesmo tempo, elas podem ter um papel importante no diálogo internacional sobre
estas questões.
As normas internacionais sobre PI vêm se desenvolvendo rapidamente. À medida
que evoluem, é fundamental compreender adequadamente seu impacto real e
potencial caso a elaboração de políticas deva se basear mais solidamente em
fatos e menos nos pressupostos sobre o valor ou outros pontos destas normas nos
países em desenvolvimento. Contudo, relativamente pouca pesquisa tem sido feita
para compreender tal impacto.
·
A OMPI deveria agir de modo a integrar objetivos de desenvolvimento em
sua abordagem para a promoção de proteção à PI nos países em desenvolvimento.
Deveria reconhecer explicitamente os benefícios e os custos da proteção à PI e
a necessidade correspondente de ajustar os regimes nacionais nos países em
desenvolvimento para garantir que os custos não superem os benefícios. É
responsabilidade da OMPI determinar quais passos essenciais são necessários
para atingir este objetivo, mas, no mínimo, deveria garantir que seus comitês
consultivos incluam representantes de vários setores e, além disso, procurar
cooperação mais estreita com outras organizações internacionais afins, como
OMS, FAO, UNCTAD e Banco Mundial.
·
A menos que sejam claramente capazes
de integrar os objetivos de desenvolvimento em suas operações por meio da
reinterpretação adequada dos estatutos, os países membros da OMPI devem revisar
os estatutos da OMPI para que lhes seja permitido fazê-lo.
·
A OMPI deve agir para fazer vigorar
sua política declarada de ser mais sensível à necessidade de adaptar suas
recomendações de PI às circunstâncias específicas de um determinado país em
desenvolvimento que esteja assessorando. Juntamente com o governo interessado,
deve incluir uma variedade maior de grupos de interesses na preparação das leis
de PI, dentro e fora do governo, e incluindo tanto os produtores como os
usuários potenciais da PI. Outros provedores de assistência técnica aos países
desenvolvidos devem adotar medidas equivalentes.
·
Deve-se conceder aos LDCs um período
de transição maior para a implementação do TRIPS, pelo menos até 2016. O
Conselho do TRIPS deve considerar a introdução de critérios baseados em indicadores
de desenvolvimento econômico e tecnológico para decidir as bases para
prorrogações adicionais desse prazo. Os LDCs que já tiverem adotado as normas
do TRIPS para proteção à PI devem ser liberados para alterar a legislação, se o
desejarem, dentro deste período de transição prorrogado.
·
Embora os países em desenvolvimento
tenham o direito de optar pelo cumprimento acelerado ou pela adoção de normas
além do escopo do TRIPS, se acreditarem ser de seu interesse fazê-lo, os países
desenvolvidos devem rever suas políticas de diplomacia regional/bilateral com
os países em desenvolvimento de modo a garantir que não imponham aos países em
desenvolvimento padrões ou cronogramas além daqueles estabelecidos pelo TRIPS.
·
A OMPI deveria expandir seus
esquemas existentes de financiamento aos representantes dos países em
desenvolvimento para que esses países possam ser representados efetivamente em
todas as reuniões importantes da OMPI e da OMC que poderiam afetar seus
interesses. A OMPI e seus países membros deveriam considerar como isso pode ser
executado de maneira eficaz e como poderia ser financiado utilizando o
orçamento da OMPI.
·
A UNCTAD deveria criar dois novos
postos de Conselheiros de Propriedade Intelectual para fornecer consultoria aos
países em desenvolvimento nas negociações internacionais de PI. Sugerimos que o
DFID considere o financiamento inicial destes postos como uma seqüência a seu
projeto de financiamento relativo ao TRIPS na UNCTAD.
·
A OMC e a OMPI deveriam aumentar as
oportunidades para que as organizações da sociedade civil desempenhem seu papel
legítimo da maneira mais construtiva possível. Por exemplo, isso pode ser feito
por um convite às ONGs e a outros grupos de interesse da sociedade civil para
comparecerem às reuniões dos comitês consultivos apropriados, e pela
organização de discussões públicas regulares sobre assuntos atuais nas quais as
ONGs pudessem participar.
·
Os patrocinadores de pesquisas,
inclusive a OMPI, devem fornecer os investimentos para fomentar pesquisas
adicionais sobre as relações entre PI e desenvolvimento nas áreas temáticas que
identificamos em nosso relatório. A criação de uma rede internacional e de uma
iniciativa para parcerias entre patrocinadores de pesquisas, governos de países
em desenvolvimento, agências de desenvolvimento e organizações acadêmicas no
campo de PI deve ajudar, identificando e coordenando prioridades de pesquisa,
compartilhando conhecimento e facilitando a divulgação mais ampla das
conclusões. No primeiro caso, recomendamos que o DFID, em colaboração com
outros envolvidos, lidere a definição da iniciativa.
A Comissão gostaria de agradecer a todas as pessoas
que consultou durante as investigações e que ofereceram idéias valiosas,
conhecimento e tempo. Analisamos com cuidado todos os pontos de vista ao
elaborarmos este relatório. Somos gratos a todas as pessoas com quem nos
encontramos ao visitarmos China, Índia, Brasil, Quênia, África do Sul, Genebra,
Bruxelas, Washington e Londres, e também agradecemos a contribuição de todos os
que compareceram ao nosso congresso internacional em fevereiro de 2002.
Agradecemos especialmente aos autores dos estudos de apoio da CPIR e a todos os
que participaram de nossas oficinas especializadas.
[O relatório principal contém uma relação completa das
organizações consultadas.]
ACRÔNIMOS
AIDS
– Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida
CBD
– Convenção sobre a
Diversidade Biológica
CIPR
– Commission on
Intellectual Property Rights (UK) (Comissão para Direitos de
Propriedade
Intelectual do Reino Unido)
DFID
– Department for
International Development (UK) (Ministério do Desenvolvimento
Internacional do
Reino Unido)
DMCA –
Digital Millennium Copyright Act (Lei sobre Direitos Autorais Digitais do
Milênio)
EPO
– European Patent Office
(Departamento de Patentes da Europa)
FAO
– Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e Agricultura
FDA
– Administração de
Alimentos e Drogas (EUA)
HIV
– Vírus de
Imunodeficiência Humana
LDC
– País Menos Desenvolvido
OMC
– Organização Mundial do
Comércio
OMPI
– Organização Mundial de
Propriedade Intelectual
ONG
– Organização Não
Governamental
P&D
– Pesquisa e
Desenvolvimento
PCT
– Tratado de Cooperação
sobre Patentes
PI
– Propriedade
Intelectual
PVP
– Proteção às Variedades
Vegetais
DPIs
– Direitos de Propriedade
Intelectual
TRIPS – Acordo sobre Aspectos dos
Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados
ao Comércio
UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento
UPOV
– União Internacional para a
Proteção de Novas Variedades Vegetais
Publicado pela
Comissão para
Direitos de Propriedade Intelectual
em conjunto com o
DFID
1 Palace Street
Londres SW1E 5HE
Tel: +44 20 7023
1732
Fax: +44 20 7023
0797 (attn: Charles Clift)
E-mail: ipr@dfid.gov.uk
Website: http://www.iprcommission.org
Setembro de 2002
2a
edição: novembro de 2002
O relatório
completo e o resumo executivo podem ser copiados do website da CIPR: http://www.iprcommission.org
Para obter uma
cópia impressa do relatório ou mais informações, entre em contato com o
Secretariado da Comissão no endereço acima.
© Comissão para
Direitos de Propriedade Intelectual 2002
Criado e impresso
por
Dsprint/redesign
7 Jute Lane
Brimsdown
Enfield EN3 7JL